terça-feira, 16 de junho de 2015

Reflexões sobre o Feminicídio

 Jorram vozes no meu ouvido. Vozes de mulheres. Adultas, adolescentes, crianças. Vozes que querem falar de um modo de vida, da sua história, das suas lembranças, das suas relações, da família, da/o companheira/o. Do singular e do plural.
Há outras vozes, que nos permitem novas reflexões.
Elas chegaram sem nem mesmo saber que estavam chegando. Elas chegaram e nem mesmo chegaram fisicamente. Foram transformadas. Em estatística, em siglas... Fazem o uso da mediação de corpos militantes.

Falar
Sinto que as mulheres estão sempre sensíveis e dispostas a falar, discutir e compartilhar questões de gênero. Principalmente, se há violência envolvida. Sempre tem a história de uma amiga, da mãe, da avó, da vizinha, do viral na internet, ou a sua própria história (sendo relatada ou não na primeira pessoa). Há uma crença na nossa sociedade de que a dita igualdade que a Constituição Federal fala em seu artigo 5º, é real no cotidiano de mulheres e de outras minorias. Para quem tem dúvida sugiro fazer uma escuta “atenta e humanizada” dos casos. Ou simplesmente se perguntar? Por que as mulheres (aqui também pode se inserir qualquer grupo minoritário) tem tanta necessidade de falar sobre a sua constituição histórica? Ou por que tantas mulheres precisam contar a sua história de violência?!
Na época da promulgação da lei do Feminicídio no início de 2015, acompanhei muito de longe os comentários e as discussões. Primeiro, porque de tempos em tempos tenho necessidade de Detox das discussões militantes; fico sensível a tudo e acabo ficando muito deprimida e desesperançada com alguns movimentos conservadores. Segundo, porque era uma alteração no Código Penal, tipificando o assassinato de mulheres como crime hediondo. Achei positivo mas por outro lado ficava pensando que era mais uma vez uma lei. As leis teriam a força de mudar o machismo enraizada na nossa sociedade? E a lei Maria da Penha, que tenta combater em vários aspectos a nossa cultura de violência gênero? Não tem funcionado?

Despertar
Há duas semanas participei de um Seminário sobre tema, cujo título era: Determinação social e o enfrentamento da violência contra as mulheres no contexto da Lei do Feminicídio. Estava resistente.
Nesses dias vivi uma imersão na discussão. Uma boa imersão, que floresceu novos questionamentos a partir das discussões feitas.

Parênteses: este texto é uma tentativa de elaborar as discussões que tive a partir das minhas leituras anteriores. É um exercício, antes de tudo, que tento fazer com alguma frequência. Talvez eu consiga, talvez só chegue até metade do caminho. Tenho muita dificuldade em elaborar textos em cima das falas de outros. Fecha parênteses.

Gosto das contextualizações históricas. Sempre que se fala, se fala a partir de um tempo e de um lugar. Por mais que se tente universalizar as histórias, como Betty Milan1 costuma fazer, para criar uma empatia entre quem produz e quem lê. Isso para dizer: não se fala em opressão de gênero hoje, apenas pelo hoje. Se fala, principalmente, pelo caminho que foi percorrido até aqui. Com muitas vitórias, de certo, mas com muitas batalhas ainda para ganhar.

Feminicídio
Falar em feminicídio, é falar em uma epidemia, em algumas regiões do país. É falar de uma cultura de violência. É falar de uma sociedade patriarcal onde a mulher ainda é encarada como objeto. Falar de um sistema de regulação de corpos. É falar da sexualidade vigiada das mulheres. É falar de reserva de espaços público e privado a partir da representação de gênero.
Para começar uma conversa sobre o feminicídio temos que ter em mente que o reconhecimento da lutas das mulheres não começa com promulgação da lei. Pelo contrário, o movimento sofre uma derrota com a promulgação. Na redação da lei saiu a palavra gênero e ficou “sexo feminino” (“contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”). E as pessoas trans?
Sendo que:
Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.”
Quando um prostituta é morta, ela entra nas estatísticas de feminicídio? É uma mulher, sendo morta por discriminação à sua condição. Mas, como é tratada pelos órgãos oficiais?!
Não acho que a questão da violência de gênero se resolva com a assinatura de uma lei. E tenho minhas dúvidas que funcione como um processo educativo.
A lei do Feminicídio trata da morte de mulheres. Não queremos que mulheres sejam mortas por suas/seus companheiras/companheiros. Queremos que as mulheres sejam respeitadas e tenha liberdade de fazer as suas escolhas, e que o estado garanta as oportunidades.
Quando, em 2006, foi a promulgada a Lei Maria da Penha achei que era um avanço no reconhecimento da desigualdade de gênero, um reconhecimento institucional do que mulheres vivem cotidianamente. Não só a violência física mas as muitas nuances de violências.
É importante termos em mente que a nossa sociedade é uma sociedade violenta, não só pelo números de mortes violentas e da violência urbana. Somos violento no nosso dia a dia, na palmada no filho, na grosseria com o colega de trabalho, no trânsito a cada ultrapassagem. Nas nossas músicas infantis; basta lembrar de “atirei o pau no gato”.
Muitas vezes reproduzimos comportamento violento sem nos darmos conta. É sempre  bom lembrar.

Encerrando a conversa
Eu sei que abri muitas questões. Porém meu esforço há muito foi excedido.
Têm muitas discussões a serem feitas. No âmbito do Direito, da Sociologia, da Saúde. Há muitas pesquisas sendo realizadas dentro e fora das Universidades.
O que quero ter em mente é do exercício diário de uma militância. Da importância das leituras, das atualizações. Da escrita crítica. Do processo de racionalização do conhecimento. Da tentativa solitária de fazer pensar, de sociologizar a vida.

Seguem algumas referências:
Acessado em: 09/06/2015


1Psicanalista brasileira escreveu: “Aprendi com o trabalho que, seja qual for a história, nós podemos nos reconhecer nela, porque a escuta humaniza. Quando escutado, o drama do outro pode se tornar meu. Tiro dele ensinamentos preciosos.” p. 12

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